Ela tem 84, ele tem 87 e partilham a rotina há 66 anos, a idade do meu pai.
Foi para casa deles que eu fui com 3 meses de idade e onde ficava enquanto os meus pais iam trabalhar. A escola sempre foi lá perto e era para onde voltava quando não tinha aulas, para almoçar ou nas férias. Foi assim até acabar a faculdade, já na casa dos vinte anos.
Ela sempre foi uma regateira de primeira, ele sempre paz de alma, mais apaziguador e paciente.
Era ela que me levava a tomar um pinguinho ao café, que me ensinou a fazer renda e a coser à máquina.
Era ele que levava o meu irmão a dar milho às pombinhas, a passear de autocarro ou ver os comboios à estação.
Agora custa-me entrar em casa deles e já não sentir o cheiro característico a naftalina, o "cheiro a casa da avó Dete e do Buzinho"... O cheiro agora é mais intenso, cheira mais a mofo, como se a própria casa nos lembrasse que eles estão tão envelhecidos como ela.
Custa-me falar para a minha avó e sentir nitidamente que a mente dela já não acompanha o meu raciocínio... Muitas vezes ela não responde ao que eu pergunto, porque não ouve, ou porque não percebe nem acompanha a minha conversa...
Custa-me ver o meu avô a andar curvado para a frente, mas com a convicção que ainda tem uma dúzia de anos a menos e que as ruas ainda são todas dele para as palmilhar. Ele não se vê com 87 anos, tenho a certeza disso, na cabeça dele ainda tem uns 70...
Eles continuam completamente independentes e eu por vezes continuo a vê-los como sempre foram... outras vezes consigo ver todas as fragilidades que lhes apareceram.
Ele continua a passear todas as tardes... Ela continua a fazer a lida da casa sozinha no seu vagar... como sempre foi, a vida toda.
Custa-me ver que lhes custa que o corpo e a mente envelhecidos já não respondam como dantes e custa-me que isso lhes custe.
Custa-me acima de tudo ver a amargura que se apoderou dela neste fim de vida e custa-me ainda mais sentir que ela está à espera de morrer... esta já não é a avó Dete que conheci.
Hoje ele fez 87 anos e disse Espero de hoje a um ano estar aqui a fazer mais um brinde!
Ela fez em outubro 84 anos e disse Se vocês soubessem qual foi o desejo que pedi quando apaguei as velas...
Eu sei o desejo que ela pediu. Só queria que o nosso senhor se lembrasse de mim! Ela não o disse dessa vez, mas de tantas que já o ouvi, sei que foi esse o desejo dela.
Custa-me que a minha vontade de ir lá tenha reduzido drasticamente, apesar de continuar a ir. Por um lado, sei que gostam da nossa visita, mas ao meu eu egoísta custa ver o definhar progressivo daquelas pessoas que me criaram...
Custa vê-los desaparecer num corpo ainda presente. A vida é mesmo assim, envelhecer faz parte. Uns fazem-no melhor, outros menos bem...
ResponderEliminarMas percebo bem o que sentes. Visitei muito pouco a minha avó nos seus últimos anos de vida, por causa disso: já não era ela e custava-me vê-la assim...
Sweet, nem sei bem o que te escrever... com algumas diferenças, sei o que sentes. Os meus avós... segundos pais, mas tantas vezes foram os primeiros! Tantas vezes e em tantas coisas! Eu recuso ver o avançar da idade. Recuso, e eles ajudam que eu recuse porque eles próprios teimam em querer viver! Apesar de a vida e a idade avançar! E as fragilidades estão ali, latentes, mas eles continuam a sorrir, e eu com eles! E espero ter mais um ano, e a seguir a esse mais um ano, e outro, e outro, e ainda mais outro, e mais, e mais e mais.... e outro, e sempre mais um!
ResponderEliminarO problema é que ele ainda tira prazer das pequenas coisas da vida. Ela não! Está completamente amargurada e farta da vida. Isso é difícil de ver e acompanhar...
ResponderEliminarLife is Sweet, de vez em quando leio o teu blog porém nunca comentei, mas hoje foi diferente. Não imaginas o quanto este texto me tocou.....parece ter sido escrito por mim, com a diferença que não é a minha avó a sentir-se assim, mas a minha mãe, apenas com 67 anos. Eu não aceito e não compreendo, por mais que tente, não consigo compreender. O meu pai tem 71 anos, mas parece um jovem, com vontade de viver experiências novas, com alegria de viver. A minha mãe entrega-se a uma vida sem sentido, nem com os netos quer estar, se não a formos lá ver ela nunca tem a iniciativa de ir ver um filho ou um neto e isso revolta-me tanto. Não consigo compreender como uma pessoa não aproveita a vida, não aproveita o facto de ter saúde (embora com alguns pequenos problemas) mas nada de grave, e diz que agora vai quando Deus quiser. Não compreendo.....
ResponderEliminarDesculpa este testamento, mas tocou-me demasiado o teu texto e foi uma forma de eu desabafar.
Beijinhos
Sabes que eu acho que a minha avó deve ter um pouco de depressão, ela passa o dia inteiro sozinha em casa por opção própria. Numa pessoa ainda mais nova e com menos problemas de saúde ainda deve custar mais.
EliminarSabes que eu tinha este texto nos rascunhos já há mais de um ano e agora mais do que nunca fez sentido publicá-lo.
Fico feliz por te ter tocado.
Beijinho grande
Sim, a minha mãe também tem depressão, mas nem nas fases melhores quer conviver com ninguém. Sabes, eu tenho pena pelos meus filhos, que têm 8 e 2 anos e praticamente não convivem com a avó (pelo menos daquela maneira que seria suposto os netos conviverem), é mais como se fosse uma tia afastada, não há aquele amor e carinho. Enfim... Mas fiquei feliz por trocar estas palavras contigo. Beijinhos
EliminarÉ realmente uma pena, os avós dão um carinho especial aos netos que mais ninguém dá. Estou sempre aqui quando quiseres falar ou se quiseres mais privacidade deixo-te o meu e-mail lifeissweet1909@gmail.com. Beijinhos!
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