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domingo, 21 de janeiro de 2018

Do avançar dos anos


Ela tem 84, ele tem 87 e partilham a rotina há 66 anos, a idade do meu pai.

Foi para casa deles que eu fui com 3 meses de idade e onde ficava enquanto os meus pais iam trabalhar. A escola sempre foi lá perto e era para onde voltava quando não tinha aulas, para almoçar ou nas férias. Foi assim até acabar a faculdade, já na casa dos vinte anos.

Ela sempre foi uma regateira de primeira, ele sempre paz de alma, mais apaziguador e paciente.

Era ela que me levava a tomar um pinguinho ao café, que me ensinou a fazer renda e a coser à máquina.

Era ele que levava o meu irmão a dar milho às pombinhas, a passear de autocarro ou ver os comboios à estação.

Agora custa-me entrar em casa deles e já não sentir o cheiro característico a naftalina, o "cheiro a casa da avó Dete e do Buzinho"... O cheiro agora é mais intenso, cheira mais a mofo, como se a própria casa nos lembrasse que eles estão tão envelhecidos como ela.

Custa-me falar para a minha avó e sentir nitidamente que a mente dela já não acompanha o meu raciocínio... Muitas vezes ela não responde ao que eu pergunto, porque não ouve, ou porque não percebe nem acompanha a minha conversa...

Custa-me ver o meu avô a andar curvado para a frente, mas com a convicção que ainda tem uma dúzia de anos a menos e que as ruas ainda são todas dele para as palmilhar. Ele não se vê com 87 anos, tenho a certeza disso, na cabeça dele ainda tem uns 70...

Eles continuam completamente independentes e eu por vezes continuo a vê-los como sempre foram... outras vezes consigo ver todas as fragilidades que lhes apareceram.

Ele continua a passear todas as tardes... Ela continua a fazer a lida da casa sozinha no seu vagar... como sempre foi, a vida toda.

Custa-me ver que lhes custa que o corpo e a mente envelhecidos já não respondam como dantes e custa-me que isso lhes custe.

Custa-me acima de tudo ver a amargura que se apoderou dela neste fim de vida e custa-me ainda mais sentir que ela está à espera de morrer... esta já não é a avó Dete que conheci.

Hoje ele fez 87 anos e disse Espero de hoje a um ano estar aqui a fazer mais um brinde!

Ela fez em outubro 84 anos e disse Se vocês soubessem qual foi o desejo que pedi quando apaguei as velas...

Eu sei o desejo que ela pediu. Só queria que o nosso senhor se lembrasse de mim! Ela não o disse dessa vez, mas de tantas que já o ouvi, sei que foi esse o desejo dela.

Custa-me que a minha vontade de ir lá tenha reduzido drasticamente, apesar de continuar a ir. Por um lado, sei que gostam da nossa visita, mas ao meu eu egoísta custa ver o definhar progressivo daquelas pessoas que me criaram...

7 comentários:

  1. Custa vê-los desaparecer num corpo ainda presente. A vida é mesmo assim, envelhecer faz parte. Uns fazem-no melhor, outros menos bem...
    Mas percebo bem o que sentes. Visitei muito pouco a minha avó nos seus últimos anos de vida, por causa disso: já não era ela e custava-me vê-la assim...

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  2. Sweet, nem sei bem o que te escrever... com algumas diferenças, sei o que sentes. Os meus avós... segundos pais, mas tantas vezes foram os primeiros! Tantas vezes e em tantas coisas! Eu recuso ver o avançar da idade. Recuso, e eles ajudam que eu recuse porque eles próprios teimam em querer viver! Apesar de a vida e a idade avançar! E as fragilidades estão ali, latentes, mas eles continuam a sorrir, e eu com eles! E espero ter mais um ano, e a seguir a esse mais um ano, e outro, e outro, e ainda mais outro, e mais, e mais e mais.... e outro, e sempre mais um!

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  3. O problema é que ele ainda tira prazer das pequenas coisas da vida. Ela não! Está completamente amargurada e farta da vida. Isso é difícil de ver e acompanhar...

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  4. Life is Sweet, de vez em quando leio o teu blog porém nunca comentei, mas hoje foi diferente. Não imaginas o quanto este texto me tocou.....parece ter sido escrito por mim, com a diferença que não é a minha avó a sentir-se assim, mas a minha mãe, apenas com 67 anos. Eu não aceito e não compreendo, por mais que tente, não consigo compreender. O meu pai tem 71 anos, mas parece um jovem, com vontade de viver experiências novas, com alegria de viver. A minha mãe entrega-se a uma vida sem sentido, nem com os netos quer estar, se não a formos lá ver ela nunca tem a iniciativa de ir ver um filho ou um neto e isso revolta-me tanto. Não consigo compreender como uma pessoa não aproveita a vida, não aproveita o facto de ter saúde (embora com alguns pequenos problemas) mas nada de grave, e diz que agora vai quando Deus quiser. Não compreendo.....
    Desculpa este testamento, mas tocou-me demasiado o teu texto e foi uma forma de eu desabafar.
    Beijinhos

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    1. Sabes que eu acho que a minha avó deve ter um pouco de depressão, ela passa o dia inteiro sozinha em casa por opção própria. Numa pessoa ainda mais nova e com menos problemas de saúde ainda deve custar mais.
      Sabes que eu tinha este texto nos rascunhos já há mais de um ano e agora mais do que nunca fez sentido publicá-lo.
      Fico feliz por te ter tocado.
      Beijinho grande

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    2. Sim, a minha mãe também tem depressão, mas nem nas fases melhores quer conviver com ninguém. Sabes, eu tenho pena pelos meus filhos, que têm 8 e 2 anos e praticamente não convivem com a avó (pelo menos daquela maneira que seria suposto os netos conviverem), é mais como se fosse uma tia afastada, não há aquele amor e carinho. Enfim... Mas fiquei feliz por trocar estas palavras contigo. Beijinhos

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    3. É realmente uma pena, os avós dão um carinho especial aos netos que mais ninguém dá. Estou sempre aqui quando quiseres falar ou se quiseres mais privacidade deixo-te o meu e-mail lifeissweet1909@gmail.com. Beijinhos!

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